segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Da Varanda do Quarto Andar

Era uma noite comum, daquelas que a lua está tão grande, que a cada vez que você olha pro céu, ela parece te engolir. Esperei meus pais irem pra cama, para poder fazer o que eu sempre fazia. Todas as noites era a mesma coisa, e mesmo aquela sendo uma noite comum, não era uma noite qualquer, e parecia distinta de toda minha vida. Tranquei a porta do meu quarto, abri a varanda, e ali eu me sentei com meu maço de cigarro e meu copo de Whisky sem gelo, e ao meu lado, um violão antigo. Com ele, eu não precisava abrir a boca para dizer sequer uma palavra, as notas soavam e diziam por mim, e apenas quando era extremamente necessário, eu cantava as palavras que enfeitavam um cenário qualquer. Era sempre igual. A paisagem, os carros, as buzinas, até os bêbados que passavam na minha rua de vez em quando. Eu morava no quarto andar, então eu conseguia ver e escutar praticamente tudo, ouvia até as conversas do jornaleiro com o porteiro do meu prédio, quando ele passava no meio da madrugada para entregar os jornais, e era sempre a mesma história. O meu porteiro perguntava pro jornaleiro sobre a vizinha da tia dele, que por acaso tinha o mesmo nome que eu, então sempre que ele perguntava, eu acabava me desligando um pouco do meu próprio universo. Eu ouvia e dava aquele pulinho de susto. Aquele que quando você está meio sonolento e chamam teu nome você dá assustada.
Uma vez, a conversa dos dois foi tão intensa, que larguei meu violão num canto, e fiquei apenas escutando, enquanto fumava um cigarro atrás do outro... não era uma conversa comum, eles pareciam conversar por metáforas, códigos... Quem sabe a tal da dona que tinha o mesmo nome que eu não servisse como alerta, uma mensagem, não sei, talvez até para dizer que eu estava na sacada prestando atenção nos dois. Afinal, quem é que vai perguntar sobre a vizinha da tia de alguém? Não faz sentido nenhum. Por um instante eu tive medo, mas aí me lembrei que o segundo copo de whisky já podia me causar alucinações, acendi mais um cigarro e me tranqüilizei. Naquela noite o jornaleiro ainda não havia passado, e a noite estava mais calma do que nunca, nem carros passavam pela rua, talvez porque era feriado, todo mundo devia estar viajando, não sei. Decidi levantar do chão um pouco para dar uma espiada na rua. Olhei pro posto do porteiro, e ele não estava lá, então me debrucei na sacada para espiar ainda mais de perto, mas ele havia sumido, não achava em nenhum lugar... entrei no meu quarto pra procurar um binóculo. Nem sei pra que. Eu sabia que eu não tinha um e mesmo assim gastei uns 3 minutos na procura. Aí, tive a brilhante idéia de usar minha máquina fotográfica, que tinha lentes geniais que aproximavam bem. Voltei pra varanda, dei o máximo de zoom que pude e fui passando a câmera lentamente por todas as partes, inclusive pela rua, que foi aonde eu percebi movimentos, resolvi fotografar. Fui analisar a foto na maquina mesmo, mas não tive sucesso na imagem, então resolvi joga-la no computador, para poder ampliar e averiguar o objeto não identificado que encontrei em movimento nas partes mais escuras da rua. Abri a foto e mexi nela com alguns programas para a imagem ficar mais nítida e clara... aí, eu vi... algo que acontecia com muita freqüência, com absoluta certeza, principalmente pelo jeito que estava sendo feito, silencioso, rápido, aterrorizante, me falta coragem para contar o que eu vi. Me falta coragem de continuar vivendo no mesmo lugar. Como se eu pudesse fugir... Em qualquer lugar vou encontrar isso, ou quem sabe algo até pior... Eu nem chorei, nem ri. Fiquei paralisada, sem ação, acendi outro cigarro, e acabei virando meu whisky, nem pensei...


[continua...]